Fotos: Jeferson Batista/Conectas
Foi lançado no dia 28 de maio, o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada dos Remanescentes do Quilombo da Serra dos Rafaéis, comunidade quilombola situada na Chapada do Araripe, na cidade de Simões, município piauiense distante cerca de 550 km de Teresina. O documento, o primeiro do gênero em todo o Estado, foi elaborado pelos próprios moradores da comunidade, com o suporte da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, o Instituto Maíra, uma ONG de direitos socioambientais com foco na livre determinação comunitária, professores e antropólogos, além da Defensoria Pública do Estado do Piauí (DPE/PI), através da Defensoria Pública de Simões, que tem como membro a Defensora Pública Ana Clara Ribeiro de Sousa Castro.
O protocolo de consultas é uma exigência da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a consulta livre, prévia e informada aos povos tradicionais sempre que sejam previstas medidas legislativas, administrativas, projetos e empreendimentos que venham a afetá-las diretamente. O protocolo estabelece também os meios para que os povos interessados possam participar livremente na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos ou de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhe sejam concernentes, além de estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
A Defensora Pública Ana Clara Ribeiro Castro, que atuou diretamente na elaboração do Protocolo, destaca que o direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado se sustenta no reconhecimento dos direitos fundamentais de povos e comunidades tradicionais, sendo uma ferramenta democrática que irá possibilitar às comunidades quilombolas o acesso à informação sobre os projetos e empreendimentos que serão implantados na localidade, a exemplo das torres de energia eólica já instaladas na região, que já acarretaram em vários problemas para os moradores. “O processo de ajuda na construção e elaboração do protocolo, juntamente com a comunidade remanescente dos quilombos Serra dos Rafaéis, foi desafiador e enriquecedor. Tive a oportunidade de trocar experiências com várias lideranças quilombolas, antropólogos, professores e integrantes de ONGs que contribuíram com a comunidade, possibilitando a elaboração desse documento, que representa uma ferramenta do povo quilombola em defesa dos seus direitos. O reconhecimento e a autodeclaração enquanto comunidade quilombola não é um processo fácil, são muitos desafios a serem enfrentados e um deles é a forma como devem ser consultados. O protocolo busca esclarecer como essa comunidade quer e deve ser consultada sempre que alguma ação ou projeto puder, de alguma forma, impactar em seu povo e atingir seus direitos. A concretização desse protocolo é mais um passo na luta secular que essas comunidades enfrentam. Espero que ações como essa possam ser replicadas e aplicadas por outros povos originários quilombolas não só no Piauí, mas em todo Brasil”, destacou a Defensora.
Ana Clara Castro relata que com a instalação das torres para geração de energia eólicas na região, são recorrentes as denúncias de moradores da região envolvendo os empreendimentos que ameaçam a região. “Essas torres estão trazendo vários problemas para a região. Quando instalaram essas torres, o dono do terreno não pode mais plantar em determinadas áreas, e isso está interferindo diretamente na própria cultura de subsistência deles. Os moradores ganham quando essas torres são instaladas dentro das suas propriedades, mas os contratos são muito obscuros, com valores diferentes para pessoas diferentes. Outro problema recorrente são os abusos sexuais e problemas envolvendo a segurança dos moradores das comunidades. E esse protocolo foi uma forma de tentar barrar essa ação de forma desmedida, sem nenhum controle, para que esses empreendimentos entrem nessas comunidades elas têm que ser consultadas como um todo”, disse.
Para Maria das Dores Nonato, moradora e integrante da Associação de moradores da Comunidade Quilombola Serra dos Rafaéis, o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada vai possibilitar que os moradores possam atuar de forma mais ativa na tomada de decisões em relação aos projetos que serão implantados na região, garantindo a consulta às comunidades antes de qualquer autorização, atividade administrativa ou legislativa que os atinjam.“Esse protocolo é mais uma ferramenta que ajudará a comunidade na luta pelos seus direitos. Passamos por um momento muito delicado, onde nossos direitos foram violados, diante do racismo cultural de pessoas que só pensam em tirar o nosso lar e as nossas riquezas. O protocolo veio só para somar, além de sermos a primeira comunidade a apresentar um protocolo escrito, poderemos ajudar as demais comunidades que também enfrentam os mesmos problemas. A participação da Defensoria Pública do Estado do Piauí, na pessoa da Defensora Pública Ana Clara, só veio a somar, de forma que fortalece nossa luta e nos dá mais ânimo e coragem na busca do respeito e reconhecimento dos nossos direitos, uma parceria que deve ser estabelecida com todas as comunidades”, finalizou.
No lançamento do protocolo, participaram além da Defensoria Pública do Estado do Piauí, representantes do poder executivo e legislativo do município, representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs) que atuaram na construção do protocolo, e a população que reside na região.
Crédito das fotos: Jeferson Batista/Conectas