A Defensoria Pública do Estado do Piauí, por meio da 2ª Defensoria Pública Regional de Parnaíba, que tem como titular o Defensor Público Marcos Antônio Siqueira da Silva, obteve decisão favorável a que casal de mulheres possa registrar como seu o filho gerado por uma delas por meio de inseminação e em comum acordo com a parceira. O Processo Judicial Eletrônico (PJe) é o de número 0802826-94.2020.8.18.0031 e foi ajuizado pela Defensoria Pública perante a 3ª Vara da Família de Parnaíba.
O Defensor Público Marcos Antônio Siqueira explica que as assistidas S. e E., após união estável e casamento civil, decidiram que E. engravidasse. Com o nascimento do filho I., em junho de 2020, o casal foi ao 1º Serviço Registral da Parnaíba para o registro do nascimento, portando as identidades, CPFs, Declaração de Nascido Vivo e a certidão de casamento civil. Contudo, a tabeliã responsável declarou que somente registraria a criança como filho de E. , a parturiente, e ainda com os nomes de família dela quando solteira; não os de casada com S. Também declarou na oportunidade que se “quisessem fossem à Justiça”. Não tendo sequer suscitado ao juízo de registro público competente que ajudasse a dirimir a sua “dúvida” em realizar o registro. Pela a tabeliã não foi considerado o casamento civil e nem os documentos que comprovam a união como garantia de que o filho nascido é de ambas, como cônjuges e família. Segundo o Defensor Público também não foi considerada a declaração que S. fez que registrava a criança por ser seu filho, como prevê o Código Civil, art. 9º, inciso I, e 1597.
Frente ao ocorrido a 2ª Defensoria Pública de Parnaíba deu a entrada no processo, defendendo em sua tese que fosse assegurado e garantido o direito do casal registrar a criança como filho proveniente da decisão de ambas em conceber, gestar e dar à luz; uma decisão consciente, íntima e planejada, assumindo a maternidade, sem discriminação ou preconceito. Defendeu ainda a 2ª Defensoria Pública de Parnaíba que S. e E. têm direito fundamental à intimidade e vida privada, conforme a Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso X, e que a família é base da sociedade, sendo assegurado ao casal o planejamento familiar de forma livre, nos termos do artigo 226, caput, e § 7º.
O processo foi julgado em 8 de junho de 2021 e a sentença foi procedente, determinando que a criança I. é filha de E., que lhe deu à luz, e de sua cônjuge S., bem como altera seu nome de família e acrescenta os avós, pais de S. , deferindo o pedido inteiramente.
Marcos Antônio Siqueira explica que entre outros pontos, a Constituição de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, eleva a dignidade da pessoa humana a fundamento da República e do Estado Democrático de Direito; e no artigo 3º, inciso IV, diz que o Estado deve “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e que no artigo 5º, consagra que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade”, destacando ainda que o inciso XLI não deixa dúvidas, pois “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, sendo um direito fundamental o registro civil de nascimento, assegurado no inciso LXXVI, alínea A. Sendo também o registro civil de nascimento previsto no Código Civil, artigo 9º, inciso I; Lei de Registro Público 6015, de 31/12/1973, em seus artigos 50, 52, nº 1, 54, nº 7; com fundamento no Código Civil, artigos 1596, 1597, inciso V, 1607 e 1609
Destaca ainda o Defensor que o Supremo Tribunal Federal decidiu a ADPF 132 e a ADIN 4277, julgando por unanimidade, em relação ao artigo 1723 do Código Civil, em interpretação conforme à Constituição, “para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”.
“E assim é que, mais uma vez, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser”, avalia Marcos Antônio Siqueira.