A Comunidade Quilombola Macacos, situada no município de São Miguel do Tapuio, agora tem educação escolar quilombola conforme garantido por lei. A regularidade foi conseguida após muitas reuniões, manifestações e duas ações judiciais nas quais atuaram conjuntamente a Defensoria Pública do Estado do Piauí (DPE-PI), por meio do Projeto Vozes dos Quilombos, e a Defensoria Pública da União (DPU), dando fim a quatro meses de espera e angústia para as moradoras e os moradores da referida comunidade. Atuaram na ação a Defensora Pública Karla Araújo de Andrade Leite, Coordenadora do Projeto Vozes dos Quilombos e Diretora das Defensorias Regionais e o Defensor Público da União, Benoni Moreira.
A Defensoria Pública possuía duas ações judiciais tramitando na Comarca de São Miguel do Tapuio, versando sobre a regularidade da educação escolar quilombola da Comunidade Macacos, cujos integrantes haviam ocupado o prédio da escola, reivindicando o cumprimento da legislação que resguarda direitos específicos quilombolas. Após a ocupação, o Município de São Miguel do Tapuio ingressou com uma ação de reintegração de posse contra a comunidade, o que levou a DPE-PI, por meio do projeto Vozes dos Quilombos a ingressar com uma Ação Civil Pública pela garantia do direito, bem como contestando a reintegração de posse citada.
O principal pedido da Defensoria foi no sentido que o Município cumprisse a obrigação de fazer no sentido de viabilizar a materialidade dos fundamentos da Lei Federal nº 9.394, de 20/12/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB); da Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”; da Lei Federal nº 11.645, de 10 de Março de 2008, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, bem assim a expressa materialidade das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Foi solicitada a garantia de observância do direito da Comunidade do Quilombo dos Macacos à Consulta Prévia, Livre, Informada e Consciente, nos termos assegurados na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Após 118 dias de resistência dos moradores da Comunidade, a Associação Quilombola, assessorada pelas Defensorias Públicas do Estado e da União, representadas respectivamente pela Defensora Pública Karla Andrade e pelo Defensor Público Benoni Moreira, fechou acordo com o Município para o restabelecimento das aulas regulares, comprometendo-se o Município a observar as previsões legais estabelecidas.
A líder Quilombola Maria Félix, fala sobre o papel exercido pela Defensoria junto às comunidades quilombolas. “As Defensorias do Estado e da União muito têm contribuído nessas lutas quilombolas, com esse trabalho em defesa dos direitos, principalmente no que se refere a educação escolar quilombola. Quero destacar o trabalho do Vozes dos Quilombos, esse Projeto traz para nós os conhecimentos dos nossos direitos, não só a educação, mas outros, como a regularização da terra, as políticas públicas e, partir das informações, juntos a gente luta e resiste para que sejam garantidos, para que diminua a violação deles ou a retirada. A Comunidade está muito feliz, entramos numa batalha contra o Município, foram dias intensos, longos, mais de 118 de muita resistência, mas também de muita angústia, muitas reuniões no trabalho feito pelas Defensorias e a Comunidade hoje consegue respirar por ter visto seus direitos garantidos, e quem fez com que fossem foi a resistência da Comunidade, mas também esse trabalho feito pela Defensoria, que fez com que o Município entendesse que essa Comunidade tem seus direitos garantidos em lei. Nós quilombolas estamos de parabéns por poder contar com um órgão tão competente e sério. A gente se fortalece em saber que não estamos sós”, declara.
O Defensor Público da União, Benoni Moreira, destaca o desenrolar do processo. “A Comunidade Quilombola dos Macacos estava há mais de 2 anos tentando estabelecer diálogo com a gestão municipal (…), no entanto, além de não atender às várias solicitações da Comunidade, o Município passou a retirar todos os serviços públicos que eram prestados ali. No que se refere à escola, além de não implementar a educação escolar quilombola, as professoras e diretora estavam tratando a Comunidade e as crianças com deboche, preconceito e manifestações racistas. Não suportando mais essa situação, a Comunidade decidiu ocupar a escola no dia 06 de fevereiro deste ano, data prevista para o início das aulas, até que o município providenciasse a substituição das professoras e diretora, bem como atendesse outras demandas da Comunidade. A partir de então, a DPU, DPE-PI e Observatório Quilombos Piauí, em apoio e assistência à Comunidade envidaram todos os esforços para que fosse alcançada uma solução conciliatória. (…) Finalmente, foi assinado o acordo que estabelece obrigações do Município no sentido de atender a maior parte das demandas, na forma como foram inicialmente apresentadas. Trata-se de mais uma demonstração de força e resistência da Comunidade Quilombola dos Macacos que, com o apoio imprescindível da DPU, DPE-PI, Observatório Quilombos Piauí e outras instituições, alcançou uma grande vitória. Fundamental também foi a parceria entre o Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais da Defensoria Pública da União e o Projeto Vozes do Quilombo, da Defensoria Pública Estadual do Piauí, para a defesa dos direitos da comunidade quilombola Macacos. Que essa parceria seja duradoura”, afirma.
Em relação a vitória alcançada, a Defensora Pública Karla Andrade diz que “esta experiência do caso da Comunidade Macacos foi de muito aprendizado. O direito quilombola exige uma atenção especial e muito estudo, e não pode ser negligenciado pelas instituições sob pena de replicarmos um passado de negação de direitos que em hipótese alguma pode ser o nosso presente. A vitória foi mesmo da comunidade que, com coragem e sabedoria, reivindicou o que lhes é devido por todos nós. Do ponto de vista jurídico, nada teria sido possível sem a soma de instituições e de parceiros da causa quilombola”.