A captação de órgãos de um adolescente que sofreu morte encefálica e não possuía documento de identificação com foto como solicitado pela Central de Transplantes do Estado do Piauí, foi obtida pela Defensoria Pública do Estado do Piauí por meio do Plantão Defensorial da ultima terça-feira (15), com atuação da Defensora Pública Lia Medeiros do Carmo Ivo.
A Defensora Pública relata que foi ao Fórum a assistente social da Central de Transplantes acompanhando uma senhora cujo filho de 17 anos se encontrava com morte encefálica atestada, a mãe queria fazer a doação de órgãos do filho, contudo, apesar de já ter reconhecido o corpo e possuir a certidão de nascimento e o CPF do rapaz, não estava de posse de nenhum documento com foto o que é uma exigência da Central de Transplantes para que seja feita a captação de órgãos, somente podendo realizar o procedimento a partir de um mandado judicial.
“A partir daquele momento iniciamos uma corrida contra o tempo na tentativa de conseguir preservar os órgãos para transplante, considerando que o rapaz estava sendo mantido por meio de medicamentos e aparelhos específicos. Foi uma demanda inédita no Plantão Defensorial, e imediatamente iniciamos os procedimentos, contado com a colaboração de todos os servidores da equipe do Plantão, bem como de colegas Defensores. Verificamos a legislação e vimos que tanto a Lei que rege os procedimentos relativos a transplantes, assim como o decreto que a regulamenta, só exigem que o doador seja reconhecido, tanto pela família quanto por meio de documentos, não precisando no entanto constar a foto nessa documentação, estando esta exigência unicamente em uma instrução operacional nacional. Assim, fizemos o pedido baseada no fato que a legislação não exige o documento com foto e fundamentamos no direito constitucional à preservação e garantia da vida e saúde dos potenciais receptores. Argumentamos que não seria plausível que se perdesse a oportunidade do transplante por conta de uma formalidade, já que a família estava reconhecendo, e havia a outra documentação”, explica Lia Medeiros.
A Defensora Pública deu entrada no pedido de tutela de urgência, solicitando que o juiz considerasse suprida a documentação somente com o CPF e certidão de nascimento e ainda que o adolescente com morte encefálica fosse reconhecido como doador identificado, para que o transplante pudesse ocorrer. A entrada do pedido ocorreu à 23h30 do dia 15, foi feito também contato com a assessoria do juiz plantonista, para explicar a gravidade do caso, sendo que o magistrado tem o prazo de até 24 horas para fazer a análise, contudo o parecer favorável foi expedido por volta das 11h do dia 16, tendo sido prolatada a decisão concedendo o pleito da Defensoria.
“Quando a decisão saiu imediatamente enviamos para a assistente social da Central de Transplantes que acompanhava o caso, assim como para a mãe do adolescente, e informamos que por ter assinatura eletrônica já poderia ser efetivada a captação, independente da entrega pelo oficial de justiça, o que também foi feito. Às 17h30 do dia 16 foi iniciada a retirada dos órgãos e segundo informação da assistente social foi possível a realização de transplantes de fígado e rim com sucesso”, relata a Defensora Pública.
Lia Medeiros fala da sensação advinda do resultado alcançado. “Foram muitos sentimentos desde quarta-feira até ontem, primeiro o peso da responsabilidade, o fato de estar ali e de certa forma correndo contra o tempo para poder ajudar a salvar a vida de outras pessoas, o sentimento de pesar pela vida de um jovem que terminou muito precocemente devido a uma violência, o sentimento de admiração por essa mãe que, mesmo com a dor de perder um filho, estava contribuindo com tudo, ajudando com toda a documentação que pedimos para que fosse possível doar os órgãos do filho, teve ainda um sentimento de apreensão enorme que algo desse errado. Quando finalmente soubemos que tudo havia dado certo, que os transplantes haviam ocorrido com sucesso, veio uma reflexão sobre a ressignificação da questão da morte, em como um momento de dor e pesar pode se transformar em alegria e esperança para outras pessoas. Fui invadida por uma grande felicidade e me senti extremamente grata por estar nesse lugar e ter contado com a ajuda de tantas pessoas, entre colegas e servidores, que me ajudar para que pudesse fazer esse pedido e ele pudesse chegar a um resultado tão bom. No final, creio que foi mais essa reflexão mesmo e a gratidão por ser Defensora Pública e, naquele momento poder contribuir para que a vida de outras pessoas fossem salvas”, afirma.