A Defensoria Pública do Estado do Piauí iniciou, na última quarta-feira (01), a terceira edição do Minicurso em Direitos Quilombolas, que é fruto do Projeto Vozes dos Quilombos, coordenado pela Defensora Pública Karla Araújo de Andrade Leite. Como nas duas edições anteriores, realizadas em 2020 e 2021, o Minicurso acontece em três dias, com os módulos sendo ministrados até essa sexta-feira (03), em formato virtual, por meio da Plataforma Zoom. Os módulos iniciam às 18h30 e os participantes serão certificados pela Escola Superior da Defensoria Pública (Esdepi).
Ao falar durante a abertura do Minicurso, o Defensor Público geral do Estado do Piauí, Erisvaldo Marques dos Reis, destacou o posicionamento da Defensoria em favor dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade, entre as quais moradores das comunidades quilombolas. “ É um prazer receber a todos virtualmente na nossa Instituição, que promove direitos humanos e já vem fazendo isso há um bom tempo. Há quatro anos fortalecemos mais ainda essa posição da Defensoria Pública do Piauí, com vários projetos relacionados a direitos humanos, ao nosso público em maior situação de vulnerabilidade, como quilombolas, pessoas em situação de rua, com transtornos mentais, o público LGBTQIA+. São vários projetos que desenvolvemos por acreditarmos que, se é uma Defensoria Pública, tem que seguir seus valores, não é e nunca poderá ser imparcial, tem um lado, que são as pessoas em situação de maior vulnerabilidade na sociedade brasileira. Parabenizo a Defensora Karla Andrade pela realização desse projeto em prol dos quilombolas do Piauí, e porque não dizer do Brasil, a partir da realização desse curso maravilhoso que, por ser virtual, permite a participação de pessoas de todo o país”, ressaltou.
A aula inicial contou com uma fala da Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e Juíza Auxiliar do Supremo Tribunal Federal, Flávia Martins de Carvalho, que destacou a importância das pessoas negras ocuparem espaços de poder. “Obrigada à Defensoria Pública do Piauí pela oportunidade de estar aqui. Vejo esse curso como uma troca, onde sempre aprendemos tanto, e ainda mais com uma turma tão plural e diversa. Desse lugar que ocupo, na condição que ocupo, de status, poder e privilégio, sendo um corpo negro, causa muito estranhamento, estar nesse lugar sendo uma pessoa negra não me permite não me posicionar. (…) Precisamos aprender com as comunidades quilombolas, porque a lógica, filosofia, a estruturação de vida dessas comunidades é muito diferente da nossa lógica, colonizada e eurocêntrica. O nosso Direito é produzido a partir desse lugar de poder, status e privilégio, cheio de gente embranquecida que não é capaz de entender essa lógica, o dicionário quilombola. Essas comunidades precisam garantir o direito de falarem por si, de chegarem nos espaços e serem reconhecidas como pessoas com propriedade para falar”, destacou, entre outros pontos, chamando a atenção ainda para os casos de perfilamento racial tão presentes nos dias atuais em vários momentos nas sociedades.
Também se manifestou no momento, o Mestre Naldo de Lima, que é membro da Conaq e liderança do Quilombo Custaneira, localizado no município de Paquetá (PI). “Meu sentimento é de felicidade em saber que está acontecendo esse curso, que é muito importante para nós povo quilombola, para todos os Quilombos, para nos dar força para continuarmos a luta por nossos direitos, direitos que temos desde que chegamos ao Brasil, mas nunca sentimos apoio como o que sentimos hoje. Por mais que ainda tenham situações de negação de direitos, sentimos esse apoio. Que esse curso tenha todas as bênçãos dos nossos sagrados e me sinto muito feliz em saber que têm muitos jovens das nossas comunidades participando. Esse apoio de Defensores, de Juízes, de pessoas de sentimento humano, que têm um compromisso e uma missão. E a ideia é essa, cumprir nossos compromissos, nossa missão, fazendo diferente, para mudar a história de muitos de nós, que mesmo não sabendo ler ou escrever temos projetos de vida e deles não vamos desistir”, afirmou.
O Ministrante do primeiro módulo, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, André Augusto Salvador Bezerra, que abordou “O Judiciário e os Povos Tradicionais”, também destacou a importância da troca de experiências que o Minicurso proporciona. “Muito obrigada pelo convite, é um privilégio enorme estar aqui para aprender. Vou tentar passar um pouco do que foi feito pelo Direito, pelo homem branco, e que pode ser usado em favor das comunidades quilombolas, mas acima de tudo, sem qualquer demagogia, essa é uma grande oportunidade para mim, para eu aprender com esse público plural, qualificado. Realmente é um privilégio grande. Aqui já nas falas iniciais percebemos, pelos sotaques, o reflexo da diversidade”, ressaltou antes de destacar os pontos do tema.
A Defensora Pública Karla Andrade fez uma abordagem da retomada do Minicursos em Direitos Quilombolas. “ Estou felicíssima. Essa é a terceira edição do Minicurso, sempre bastante procurado. As turmas são sempre plurais, com pessoas de vários estados, lideranças quilombolas, pessoas ligadas a ONGs, mas , neste ano, o fato que me chamou a atenção foi que teve a maior procura por Defensoras e Defensores de outros estados, e isso é muito relevante, porque quando começamos esse curso, propondo a educação em direitos para lideranças quilombolas, percebemos que falta muito mais dessa educação dentro das Instituições, percebemos que quando levamos uma demanda quilombola para dentro de um fórum, aquilo que você está falando não é compreendido e isso reflete o colonialismo que ainda está aí, fazendo que até em 2023 os sujeitos de direito dos grupos vulnerabilizados não tenham a oportunidade de reivindicar direitos que são deles. Esse exemplo recente do que aconteceu nas vinícolas do Rio Grande do Sul é clássico da colonização e precisamos descolonizar o pensamento dentro dos espaços nos quais transitamos, praticar o exercício de descolonizar nossa mente. Agradeço ao apoio recebido pela Gestão da Defensoria, na pessoa do Defensor-Geral, Erisvaldo Marques, para a realização desta nova edição do Minicurso e espero que todos os módulos sejam produtivos para todas as pessoas que estão participando”, afirmou.